Fim de uma faixa de segurança bem apagada, buraco na calçada, tampa de boeiro fechada escrito P C HORIZONTE

Corridinha na faixa

Jorge Acosta Jr.
2 min readMar 8, 2020

Dei aquela corridinha no fim da faixa de segurança. Entreguei os pontos. Levaram-me a dignidade em pleno acordo civilizatório, não há dúvida. Faixa de segurança, faixa de segurança — segurança, segurança. Em itálico ou negrito a desfaçatez do caso é a legitimidade dada à velocidade e sua relação com a tranquilidade.

As coisas mudam — diria — , diremos.

A cidade empurrou. Conformópolis, seja no largo da Sé ou no Alegre Porto, chora. Enquanto chora deserta coração acelera, convulsa. Convulsiva. engasgada. Ponto a ponto de infartar. Artérias pulsando, pressão.

Ora, os gracejos da mudança de acordo civilizatório empurravam. No tempo apropriado dos deslocamentos passei a perceber: o carro não desaceleraria, não que precisasse parar. Eu precisava de uma desaceleradinha, um respiro — mesmo sob todas as condições poluídas da Avenida. Tranquilidade, pensei na fração de segundo que me fazia menos inteligente: “estou na faixa de segurança, logo, posso desfrutar de tempo”. Tempo? As listras brancas me fitaram e gritavam: corra!

Foram elas, as primeiras a saber da mudança destes acordos acerca da velocidade do processar. Lembrei do processo que eu também carregava, processo que precisava ganhar tempo, de capa azul e tudo. Ganhar tempo, correr, ser entregue, o prazo, no horário, no minuto seguinte. Respirei, foi então que entendi.

Era preciso correr. Todos sabiam, avisavam-se uns para os outros e faziam com que nos movessem. O carro já devia ter avisado para as listras. Tranquilidade viria com a corrida.

Corri e senti o alívio da(o) motorista.

A corridinha foi o acordo de uma nova civilização. Poderíamos dizer que a autonomia de nossas individualidades estavam cedidas a outro som.

Nossos ritmos encontraram-se, por um segundo. Achamos-nos. dançamos . Motorista e eu, ligados pelo ritmo das coisas e da cidade.

Dêmos as mãos para a cooperação maior. Estivemos juntos sob o alívio de existirmos no vazio da necessidade da pressa que já habita, contraditoriamente a beirada da tranquilidade. Nos unia.

Ufa, deu tudo certo hoje, que vida segura! Todos corremos o suficiente.

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